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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Uma missão que vale,

Meus amigos e companheiros, quero contar-vos uma história, destas histórias que são verídicas, são reais, nas quais somos participes e, por isso, nos identificamos mais com elas.

Podem ficar descansados, não falarei das chuvas, do trânsito, das pessoas com deficiência, da minha família, do meu novo emprego, do antigo, nem de outra coisa qualquer, que até dava-me algum jeito.

Bem, muitos de vocês sabem, que desde a década de 90, estou envolvido em movimentos associativos (minha paixão e aprendizagem), cujas causas sempre foram humanísticas, como é óbvio. Durante estes anos, muitas coisas boas me têm acontecido, as más também, mas não é delas que vou falar.

Ok, continuando... bem é melhor entrar no assunto e deixar as introduções de lado, porque se não, vocês ficam cansados, chateados e dirão este Will...

E tudo começou...

Estávamos no final do mês de Novembro, quando subia a euforia do triângulo festivo. Num dia que não era belo, passava pelo Zé Pirão (na verdade nunca percebi porque é que deram a esta zona o nome de Zé Pirão, o certo é que em Benguela pirão é o que em Luanda chamam de funge de milho, talvez tenha vivido ai o Sr. José que comia muito pirão, mas isto já são estórias), no Maculusso e, bem na esquina encontrei...

... Encontrei, não a mulher com a qual me vou casar, não a mulher por que me apaixonei, não sim... encontrei as mulheres que diariamente são ignoradas e desprezadas por muitos, as mulheres que suportam as corridas dos policias e fiscais, porque lutam para sobreviver, num país em que apenas alguns vivem e os que sobrevivem são um incomodo, mas a malta mesmo assim não desiste, é somos teimosos na nossa pobreza, queremos também viver. Eh sempre fui de opinião que o fenómeno da venda ambulante, é um dos reflexos da nossa extrema pobreza e, como tal, tem sido muito mal resolvido.

Bem depois de fazer a esquina, deparei-me com estas mulheres, todas sentadas a vender os seus produtos, naquele instante apeteceu-me fotografar, filmar ou pintar um quadro com a imagem delas, mas não sei pintar, não tinha câmara fotográfica ou de filmar. Como não podia fazer nenhuma destas coisas, aproximei-me apesar de estar ligeiramente atrasado, e comecei a conversar com as mesmas, principalmente com a que estava em estado de gestação.

Neste dia fiquei uma hora a conversar com as senhoras sobre a vida, aproveitei para sensibilizar a nossa irmã que estava em estado de gestação, sobre os cuidados que devia ter e da importância das consultas de pré – natal e aderência ao programa de corte da transmissão vertical, que felizmente o nosso controverso país tem de forma embrionária e, ainda bem, oxalá se estenda rapidamente.

A transmissão vertical ocorre quando uma mãe com VIH transmite o mesmo ao seu bebé durante a gravidez, serviços de parto e ou amamentação, no entanto, a corte da transmissão vertical, pode impedir que isso ocorra. De referir que o corte da transmissão vertical é uma terapia que permite a partir do momento que se identifique que a mãe tem VIH, tomarem medidas de prevenção a fim de impedir que o filho nasça com VIH.

Depois de terminar a conversa, pelo caminho comecei a sentir-me cada vez melhor, sentia algo de especial, constatei que aquelas mulheres muitas vezes, apenas precisam de alguém que as possa ouvir. Naquele momento senti-me uma pessoa prendada, um anjo em cadeira de rodas que tinha de estar ali, para cumprir uma missão, um dever de permitir aos outros o direito à informação.

Meses depois voltei a passar pelo mesmo local e observei que uma mulher vinha a correr em minha direcção gritando:

- Mano, mano, mano...

E parei, a mulher eufórica disse:

- Mano, lembra naquele dia que nos falaste aquelas coisas sobre SIDA! Daquela mana que estava grávida? Ela teve, é rapaz e vai ser teu chará, por isso, dá só o teu nome.

Sem muitas palavras e questionamentos, (o que frequentemente tenho feito) peguei uma folha de papel e esferográfica para escrever o meu nome.

Dois meses depois, num fim-de-semana, na rua da Liga africana ao caminho de uma pastelaria para um dos meus habituais lanches, outra senhora que esteve no mesmo grupo, pediu-me para parar e disse:

- Manas lembram este mano, naquele dia estava a nos falar coisas boas, parece que Deus tinha lhe enviado.

Dirigindo-se para mim solicitou:

- Mano fala só mas o teu nome, o teu chará ainda não lhe demos nome.

Neste instante outra senhora do grupo pergunta:

- Mas qual é a mana que estas a falar?

- A sulana, ela tava grávida e o mano deu bons conselhos, agora ela e o marido, querem saber o nome para dar a criança.

- É verdade, mano teu chará é bem bonito, tem cabelo grande, é fino...

Risos...

Enquanto elas falavam eu ouvia com atenção e escrevia no papel um dos meus nomes próprios, claro. Entregue-lhes o papel e despedi-me delas.

Depois escrevi e vos enviei, agora vocês leram e sabem.